Esse mundo pangé…
(Algumas opiniões de um Pangé a respeito do mundo em que vive)
Eu não fui até a Lua, mas me falaram que a gravidade lá é baixa e que lá não conseguimos respirar. Disseram que eu respiro oxigênio, e que o ar está poluído. Contaram-me, ainda, que há muitos anos havia menos poluição no mundo, e que atualmente as geleiras estão derretendo. Ah, sim, e me falaram que em lugares distantes daqui há muito gelo e que esses lugares continuarão sendo frios, por mais que o sol brilhe por meses sem cessar. Também disseram que amanhã estará frio aqui, e que estamos longe dos países em que há guerras religiosas. Aliás, me falaram que Deus existe. Depois, outros insistiram que não. E se esforçaram em me ensinar que eu devo estar junto de quem acredita nas mesmas coisas que eu.
Se não houvesse comunicação, nada disso importaria realmente. Afinal, essas coisas são comunicadas porque são importantes? Ou se tornaram importantes por serem comunicadas? Eis um problema: ao considerar o mundo como globalizado, considera-se também que informações de muito interesse numa terra distante sejam importantes também para mim. Mas isso pode ser um equívoco, muitas vezes.
Só para citar um exemplo convincente: eu, não sendo consumidor de cerveja e não consumindo tal produto sequer no meu país, não me importo se há lojas na China vendendo cerveja direto na sacola (notícia real publicada no Yahoo!). Questão de gosto, nesse caso. Mas em outros, em que a situação deixa de ser cômica e passa a ser assustadora, só resta a pergunta: “kiko?” (para os leigos: “‘kiko’ tenho a ver com isso?”). Casos bizarros tornam-se notícia comentada por muitos: silicone exagerado, que parece até causar problemas na coluna; cantora talentosa é “flagrada” bebendo, usando drogas, de novo, de novo, e de novo…; mulher querendo aparecer resolve fazer filme pornô e “continua virgem”; e por aí vai…
Não quero ignorar a situação de globalização, seja ela econômica, cultural, enfim, geral. Pelo contrário. E também devo reconhecer que tenho interesses em comum com pessoas de outras partes do mundo, além de compartilharmos conseqüências de proporção mundial, como no caso de uma crise econômica como a atual (texto escrito em dezembro de 2008 / janeiro de 2009).
Mas, como tantas outras – ou todas as – coisas, a informação tornou-se um produto. E é aí que se confunde a informação que é comunicada por ser importante com a informação que tornou-se importante por ser comunicada. Ao assistir a um jornal na televisão, pretendo “consumir” informações que julgo serem importantes socialmente: a política da região em que vivo (estado, país ou o mundo, dependendo da notícia); a modalidade esportiva preferida, mesmo que apenas para comentar entre amigos; a oscilação no valor de um produto como petróleo, que influencia nos gastos diários; etc. Porém, algumas informações não seriam, num primeiro momento, puramente de interesse do espectador (ou consumidor de informações), que nem sempre consegue identificar o que só ganhou importância por ter sido noticiado.
A situação melhora um pouco quando se fala em jornal impresso ou revista. O consumidor de informações, enquanto leitor, tem mais autonomia para selecionar se vai ou não ler algo, ou o quê vai ler primeiro. Mesmo que também seja tudo pré-selecionado por jornalistas, mas o modo como o indivíduo consome as informações não é tão linear e direcionado quanto no conteúdo de televisão.
Acontece que, quando o mundo não tinha os continentes separados, o ser humano (ou que viria a ser o humano como hoje conhecemos e somos) não tinha tamanha necessidade de se socializar. Havia, ou melhor, disseram-me que havia apenas uma porção de terra, completamente unida: a Pangéia. Mas nossos antecessores não se comunicavam – talvez só um pouco… E suponho que não importava aos hominídeos do sul saber do povo do norte, por exemplo.
Os continentes foram se separando, de acordo com o que me contaram, e nossos antepassados se desenvolveram e fizeram história até chegarmos onde estamos. A comunicação se desenvolveu ao ponto de considerarmos esse mundo de terras separadas e ainda subdivididas como um mundo globalizado – o que poderia parecer uma contradição em relação à Pangéia, de terras unidas e povos isolados. Nesse mundo virtualmente interligado, todos podem se comunicar e saber de algumas coisas que acontecem na Lua ou nas cervejarias chinesas.
Fato é que o Pangé, ou seja, o ser que vive nessa Pangéia virtual – ou mundo globalizado contemporâneo, como preferir – sente necessidade de se informar sobre aquilo que lhe interessa, seja um interesse “puro” ou “fabricado”. Lutar contra essa “fábrica de informações/interesses” não parece uma boa idéia, se para isso eu precisar entender que a internet ou a televisão são apenas interesses que construíram em mim.
Enfim, o Pangé é o ser que vive nesse mundo e reconhece isso. Aceita a si, a seus amigos e aos interesses de cada um como construções influenciadas por personalidades distintas, por experiências e (por que não?) pela convergência de mídias. É capaz de gostar de heavy metal mas também assistir a um concerto de música clássica e a um show dos Mutantes – no mesmo dia! Ou de pasar um dia entrando em contato com a natureza, mas à noite se fantasiar de morto para o halloween, numa festa em que há música eletrônica e fotos são tiradas com câmera digital que dispara automaticamente a cada sorriso.
Eu sou um Pangé, um desses seres plurais que se modificam a cada circunstância, que têm necessidade de estar num lugar distante, de saber sobre aquilo que interessa sem preocupar momentaneamente com “por que interessa?”. Seres que, a cada circunstância, manifestam um interesse diferente. Seres cheios de possibilidades, mas todas elas, em algum momento, deixam de ser possibilidades para serem vividas.
A era virtual veio salvar essas pessoas que não se encaixam em (apenas) um grupo, mas que são pessoas plurais e podem tanto gostar como desgostar de várias coisas. E é aqui que se encaixa o blog Pangés: numa era virtual, num mundo plural, tão próximo e tão distante, tão real quanto irreal, e ponto final pra começar.
Rodrigo Honório
mas o que e pange
me responde